(*) Artigo extraído do n° 65 de Amor y Rabia, publicação anarquista de Valladolid, Espanha.
COCA-COLA ÜBERALLES
Como é sabido, a Coca-Cola sempre se apresentou como um símbolo dos EUA e dos seus valores "democráticos"; porém, trata-se mais de uma engenhosa mentira publicitária do que de uma realidade. De facto, a Coca-Cola foi uma dessas grandes companhias americanas que, pelo menos indirectamente, colaboraram com o regime nazi.
Para começar, a popular empresa norte-americana, com base em Atlanta (Geórgia), vendeu milhões de garrafas do conhecido refresco entre 1933 e 1945, violando as normas aliadas que impediam o comércio com a Alemanha nazi durante a Segunda Guerra Mundial. Mas a sua falta de escrúpulos não ficou por aí. Desde Dezembro de 1941, a empresa convenceu os americanos de que o seu produto era o símbolo da luta contra os inimigos da liberdade e da democracia. Porém, o certo é que, sendo a Alemanha o segundo maior mercado desta bebida refrescante (a seguir aos próprios EUA), a Coca-Cola encontrou a forma de manter os seus lucros neste país, apesar da política imperialista e genocida conduzida pelo seu governo. Já desde os tempos turbulentos da República de Weimar que os alemães encaravam a Coca-Cola como a ponta de lança de um certo tipo de colonialismo norte-americano na Europa. Por isso, a Coca-Cola teve que, primeiro, mudar a imagem que o consumidor médio alemão tinha do seu produto e, a seguir, vencer empresas concorrentes alemãs (como a Sinalco ou a Agri-Cola) que fabricavam imitações do mais famoso dos refrescos de cola. Se, em casa, a publicidade da empresa tinha que identificar-se com os valores imperantes na sociedade norte-americana, na Alemanha, a Coca-Cola tinha que adequar-se aos princípios ideológicos impostos pelo III Reich à sociedade alemã.
Uma peça chave neste processo foi Max Keith (na altura representante da empresa de refrescos), personagem descrito por alguns dos seus ex-empregados como um líder carismático e autoritário. Keith depressa percebeu que, para conquistar o mercado germânico, tinha que estar nas boas graças dos governantes da nação; por isso, começou por distribuir generosos subornos a diversos governantes nazis. Assim, em 1936, quando Goering introduziu um plano quadrienal para reduzir ao mínimo as importações alemãs e falharam todas as negociações conduzidas pelos advogados da empresa norte-americana, Keith autorizou a entrega de dinheiro a este chefe nazi. Graças a isso, a Coca-Cola conseguiu uma licença especial de importação que salvaguardou a sua quota de lucros na Alemanha. Max Keith convertera-se no homem da Coca-Cola por excelência, assim como num colaborador dos nazis, disposto a fazer o que quer que fosse que estes pedissem, desde que vendesse o seu produto.
Com as coisas neste pé, a Coca-Cola tornou-se, nesse mesmo ano, numa das três bebidas patrocinadoras dos Jogos Olímpicos de Berlim, um evento que o III Reich explorou para promover a sua ideologia racista e autoritária. A boa sintonia existente entre a Coca-Cola e o regime de Hitler foi algo que pôde ser comprovado por todos os que visitaram Berlim durante tão magno acontecimento, dado que em muitas imagens do Führer, que apareciam em cartazes publicitários e revistas, surgia também o logotipo do conhecido refresco incitando o público a beber Coca-Cola “eískalt” [=’muito fria’]. A partir daí, a Coca-Cola chega ao coração do nazismo e inclusivamente, em Outubro de 1938, numa revista militar que celebrava a anexação dos Sudetas pela Wehrmacht [='exército alemão'], podia ver-se um anúncio no qual uma mão segurava numa garrafa de Coca-Cola, com um mapa-mundo como fundo e que rezava: "Ja, Coca-Cola hat weltruf [='Sím, Coca-Cola: tem fama mundial'] Isto equivalia a dar um apoio tácito ao exército nazi e às suas conquistas.
A empresa americana estava a adquirir uma popularidade tal no mercado alemão, que Karl Flach (chefe duma das suas rivais alemãs, a Afri-Cola) começou a fazer circular panfletos nos quais aparecia uma garrafa de Coca-Cola com caracteres hebreus que diziam que o refresco americano era "Kosher" [=’apto para ser consumido por judeus’] e um texto, que assegurava ser a Coca-Cola uma empresa dirigida por judeus. Apesar disso, o prejuízo foi temporário, pois a empresa americana contra-atacou de imediato. E como? Com uma campanha propagandística, que afirmava exactamente o contrário, através da publicação de vários anúncios, nos quais defendia posições anti-semitas, no Stuerner, publicação oficial do partido nazi conhecida pelos seus artigos racistas. Estes anúncios não passaram despercebidos nos EUA, tendo originado alguns títulos do género "Coca-Cola financia Hitler" na imprensa norte-americana.
Durante a guerra, a Coca-Cola pôde enfrentar as restrições decorrentes do conflito bélico, recorrendo ao seu habitual oportunismo. Assim, quando, na Alemanha, foi restringida a utilização do vidro devido ao embargo aliado, a empresa de refrescos abriu fábricas na região dos Sudetas, em 1939, sob a protecção dos chefes nazis locais, visto que esta região estava fora do cerco económico. Desta forma, a Coca-Cola ludibriou o boicote ao III Reich. Além disso, a companhia norte-americana tão-pouco teve quaisquer problemas em que os seus camiões transportassem tropas alemãs em múltiplas ocasiões. Nem sequer no período mais aceso da contenda bélica, em que alguns dos ingredientes secretos da mais popular bebida não conseguiam chegar à zona sob controle nazi, a companhia deixou de fabricar bebida: nessa altura, Keith e a sua equipa de colaboradores inventaram a Fanta e a empresa Coca-Cola continuou a vender sem se importar nada com isso. Este facto pode ser testemunhado por alguns sobreviventes dos campos de concentração nazis, pois trabalharam como mão-de-obra escrava nas fábricas que a Coca-Cola mantinha em funcionamento nos territórios dominados pelo Reich alemão.
OS SEGREDOS DA IBM
Ainda não há muito tempo, na primavera de 2001, um autor chamado Edwin Black publicou um livro intitulado IBM and the Holocaust (A IBM e o Holocausto), facto que deu lugar a uma forte polémica nos Estados Unidos. Segundo Black, filho de judeus sobreviventes do holocausto, a IBM, empresa pioneira do sector informático, teve igualmente a sua parte de responsabilidade no genocídio levado a cabo pelos nazis. A obra, para além de surpreender por pôr em causa a até então inquestionável honestidade da companhia, veio também animar a luta dos sobreviventes dos campos de concentração que actualmente vivem nos Estados Unidos contra as empresas americanas que colaboraram com os nazis. Em que consistiu então a responsabilidade dessa prestigiada firma informática?
Como é do conhecimento geral, quando os nazis chegaram ao poder ainda não existiam os computadores, mas já existia a IBM. Nas décadas que precederam o desenvolvimento dos computadores, a informação processava-se usando métodos mecânicos em vez de electrónicos, como sucede hoje em dia. Um desses métodos era baseado nos cartões perfurados de Hollerith. Herman Hollerith foi um americano de origem alemã que desenvolveu uma técnica para calcular o censo dos Estados Unidos através de cartões perfurados que eram lidos por uma máquina. Este método obteve um tal êxito que de imediato Hollerith criou, praticamente a nível mundial, um monopólio de aluguer e venda de máquinas leitoras a governos e grandes empresas. Em 1911, a companhia de Hollerith fundiu-se com a Computing-Tabulating-Recording Cornpany (CTR), à frente da qual estava Thomas Watson. Mas em pouco tempo se transformou na International Business Machines (IBM).
Entretanto, em 1922, numa Alemanha afundada em plena crise económica, Watson acedeu ao controlo da Dehornag (Deutsche Hollerith Maschinen Gesellschaft), a qual usava a técnica dos cartões perfurados sob licença. E é esta, conforme argumenta Black, a peça chave na relação entre a IBM e o regime nazi. Segundo esse autor, Watson não era exactamente um fascista, antes sim um empresário autoritário e disposto a fazer dinheiro fácil, pondo de lado quaisquer considerações morais. Watson, de facto, era conselheiro do presidente Roosevelt e ocupava um cargo no Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas não podia deixar passar a oportunidade de comerciar com a Alemanha nazi. Tendo Hitler, em 1933, começado a elaborar um censo que tinha como fim identificar os alemães de origem judia, a filial da IBM na Alemanha não teve qualquer problema em colocar a sua tecnologia ao serviço desse objectivo. A IBM, segundo Black, fazia-se passar por empresa alemã, apesar de a empresa-mãe, nos Estados Unidos, continuar a manter, mesmo durante a guerra, o controlo sobre ela. Desse modo, desrespeitava o bloqueio económico imposto à Alemanha pelos aliados. Black sustenta mesmo que Watson chegou a falar favoravelmente do III Reich em público, o que explica ele ter recebido do governo nazi a Cruz da Águia Alemã.
Em 1933, o regime nazi levou a cabo um outro censo nacional, com o qual se pretendia detectar, de forma já definitiva, a ascendência judia de milhares de cidadãos alemães. Sem dúvida que esse empreendimento foi posto em prática graças às máquinas de cartões perfurados da Dehomag. Um pouco mais tarde, em 1938, e pouco tempo antes de os nazis anexarem a Áustria, a filial da IBM em Viena, sob a supervisão do conhecido nazi Adolf Eichmann, dedicou-se também à identificação da população de origem judia. Este tipo de censo incluía um cartão, o chamado "cartão suplementar"', que denunciava o grau de "ascendência judia" de cada família. A Dehomag soube até antecipadamente que Hitler se preparava para a guerra, pois a companhia já tinha previsto como proteger a sua maquinaria em caso de ataque.
Com o início da guerra, a IBM assistiu a um tremendo aumento dos seus proventos graças aos seus negócios na Alemanha e em zonas ocupadas por ela no Leste europeu. O que não é de estranhar, pois a máquina de guerra nazi precisava mais do que nunca da tecnologia baseada nos cartões perfurados da IBM para gerir o equipamento do exército e a rede ferroviária que possibilitava o transporte dos prisioneiros para os campos de concentração, para além dos já mencionados censos. Tudo isso, é óbvio, poderia ter sido realizado sem a tecnologia da IBM, mas nunca de uma maneira tão eficiente.
Após a guerra, a IBM recolheu a sua maquinaria e os avultados benefícios económicos obtidos, sem qualquer problema de consciência. Para mais, as máquinas estavam praticamente intactas. Este facto deveu-se a que, em primeiro lugar, estavam protegidas pelas leis que a Alemanha aplicava às propriedades de empresas de países inimigos, o que até obrigava à nomeação de guardas que tomassem conta delas. Por outro lado, se as máquinas caíssem nas mãos dos aliados também eram protegidas, pois os cartões continham provas das atrocidades cometidas pelos nazis. Por último, em 1949, a Dehomag passou a chamar-se IBM Alemanha.
Nem é preciso dizer que a IBM se sentiu muito incomodada pelos trabalhos de investigação de Black, que tachou de difamatórios. A IBM, que contou com a ajuda de grandes media, como o New York Times, defendeu-se argumentando que a Dehomag tinha passado totalmente para as mãos dos nazis durante a guerra. Mas mesmo que isto fosse verdade, nem por isso a IBM ficaria eximida da sua, cumplicidade em relação á detecção de judeus através dos censos feitos por meio dos cartões perfurados, assim como também não pode negar o facto de ter lucrado imenso com os lucros gerados, durante a guerra, pela tecnologia de Hollerith. Numa recensão sobre o livro de Black, publicada em Março de 2001 pelo New York Times, é-nos assegurado que a companhia desconhecia o uso que os nazis iam dar a esse sistema de processamento de dados. Mas sem dúvida que a base de dados que geria os censos era uma base de dados “feita à medida”, para a qual a empresa teve de ter de antemão um conhecimento detalhado dos fins que o seu cliente procurava obter.
(Tradução de A. Mota e P. Ferreira).